um congresso muito especial e memorável

O congresso UMEM em Barcelona (12 a 18-10-1987)
por Edouard Kloter

No congresso internacional dos médicos escritores em Evian, os espanhóis e Jorge Claramunt Raspàll, médico escritor, pintor, escultor, convidaram-nos para Barcelona em 1987.
Os congressistas – metgs scriptors em catalão – muito provavelmente imaginaram as noites espanholas como as anunciadas nos prospectos de viagens e nas canções de Júlio Iglesias. Verdadeiramente, tudo esteve presente, no estilo da música de Falla, de boa qualidade e às vezes tórrida, organizada e improvisada, por vezes turbulenta: a recepção na Câmara de Barcelona sob as armas da Catalunha, de Aragão e de Leão, as boasvindas com umas «tapas» e vinho generoso na sala com frescos históricos de Goya, às caricaturas de heróis e de patifes, amantes, assassinos e tiranos.
Houve também a mais louca corrida em jeep, rudemente sacudida em pistas de profundos sulcos deixados pelas torrentes, através dos Pirinéus, depois da visita fecunda em inspiração ao museu do excêntrico Dali, em Figueras, que provocou mesmo o canto apavorado e portanto estático da poetisa francesa vestida como um
Grande de Espanha, enquanto em baixo, na grande sala do Colégio de «Metgs» os colegas esperavam, escutando até pela noite dentro as declamações e outros textos de médicos escritores portugueses e brasileiros. A tradução em espanhol e em francês não permitia senão uma discreta impressão da profundidade do conteúdo desses textos.
Houve ainda verdadeiras performances postas em cena pelo organizador Raspàll impressionando tanto pela sua corpulência como pela sua presença e a sua boa vontade, imponentes banquetes em nobres albergues para os banquetes da meia noite ou sobre o terraço no topo de um complexo de modernos armazéns, houve também as noites de poesia num ambiente intimista ou num restaurante de peixe à beira do cais, acompanhados de «flamencos» furiosos apresentados por colegas.
Escutámos o coro e a orquestra sinfónica dos médicos barceloneses, de uma qualidade perfeita, admirámos a exposição internacional dos artistas médicos da UMAM (onde os suíços estiveram presentes com gravuras, águas-fortes, desenhos e fotos artísticas). E na noite final esperámos diante das portas fechadas e mudas da «Lonja», na rua, porque o cheque dos organizadores não tinha chegado: um quadro pitoresco, mesmo grotesco, varrido pelas luzes dos faróis das viaturas roçando os impacientes, o colega belga tendo sobre o peito toda a litania das suas ordens e outras condecorações de honra, de oficial superior do exército, o novo presidente francês condecorado com a legião de honra e com a cruz de mérito alemão sobre o reverso branco da sua veste, o maltês com a cruz de Malta, o colega poeta do pobre nordeste do Brasil, o cirurgião parisiense – autor de romances policiais – o professor da Suiça italiana e o poeta lírico de Entlebuch, a presidente belga quase frágil mas imensamente cerebral, presidente durante muitos anos, os espanhóis com raça e elegantes ao lado de mulheres como que saídas dos últimos anos de Marienbad, homens muito elegantemente vestidos…, não faltando senão o criado que me servisse lagostas e gambas sobre o asfalto; mas ele não apareceu, e a porta da Lonja não se abriu.
Restaram os sorrisos maliciosos e os comentários trocistas dos basbaques que se abrigavam sob as cornijas, comprimindo-se nas casas vizinhas deste «Barrio suíços» para gozarem a cena e ao fundo do «Paseig Isabell II», Cristóvão Colombo indicando na noite escura, aos Conquistadores, o caminho para Caracas, onde o seu pendente em bronze também agita os braços de desespero contra nós, os homens, que passam as árvores nos seus Cadillac, ou ao lado…. (assim pensam os europeus maldizentes do Novo Mundo).
Falámos de amor na literatura e pela primeira vez se empregou o audiovisual; os Gregos falaram sobre eros, crise, e sobretudo sobre nós, o «anthropos»; o «jus primae noctis» – direito de pernada – interessou sobretudo os espanhóis, encontro – relação – estado de ser ; a palavra e o silêncio no casamento foi o tema dos suíços, enquanto os belgas e os franceses falaram sobre os pseudónimos na literatura médica.
Entre as falésias pontiagudas em formas fálicas bizarras cada um pôde reflectir com toda a serenidade no ambiente do claustro de Monserrat sobre o ser e fazer entre o céu e a terra, esta terra que tem necessidade de alguns oásis onde a reflexão ainda é possível. – Mais que uma reflexão, que se reflicta na formulação literária.
Este congresso medicina-literatura em toda a sua complexidade, de línguas diferentes e na sua procura de compreensão do outro e ao mesmo tempo de apresentação de si mesmo ao outro, de maneira empática, demonstrou fielmente as dificuldades dos tempos actuais, justamente nesta Espanha que acorda e sonha e nesta Catalunha consciente do seu valor. Uma boa tradução e uma comunicação quase perfeita – mas que foi muito técnica – não puderam substituir a compreensão sensível das reacções e das necessidades dos outros, o pressentimento do seu mundo específico.
Um grande obrigado aos organizadores espanhóis pela imensa amizade e amabilidade e pelos sentimentos que se ultrapassavam algumas vezes a eles próprios. Sete dias e noites de um acontecimento excepcional que oferece muito material para novos textos. Talvez sejamos todos os reincidentes do próximo ano em Nápoles.
(tradução de Carlos Vieira Reis)


Nota

Em consequência dos problemas levantados com a cena do jantar de gala na Bolsa de Barcelona que não se realizou pelas razões descritas no artigo, a presidente Marguerite de Miomandre demitiu-se, Claramund Raspall foi expulso da Associacion Española de Medicos Escritores e da UMEM  e Bernard Schmitt foi eleito novo presidente da UMEM.

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